Raul de Souza foi um dos maiores
trombonistas do mundo. Por mais que tal afirmação possa parecer mera retórica
superlativa, típica de obituários, a sentença faz jus ao talento imensurável
desse músico nascido com o nome de João José Pereira de Souza, na cidade do Rio
de Janeiro (RJ), em 23 de agosto de 1934.
João José virou Raul por sugestão de Ary Barroso (1903 –
1964). E foi como Raul que ele entrou e saiu de cena. Sim, aos 86 anos, o trombonista, saxofonista e compositor carioca
Raul de Souza morreu na noite de domingo, 13 de junho de 2021, vítima
de complicações decorrentes de câncer na garganta que fez o músico anunciar a
aposentadoria em novembro de 2020.
Comunicada pela família do artista nas redes sociais, a
morte de Raul de Souza aconteceu na França, país onde o trombonista residia
desde o fim dos anos 1990.
Raul de Souza foi músico brasileiro com passe livre no
território sem fronteiras do jazz. Um músico do mundo, respeitado no universo
do jazz latino dos Estados Unidos, país onde viveu por 17 anos e onde foi
consagrado na segunda metade da década de 1970.
Celebrado pela maestria e agilidade na arte da
improvisação, Raul de Souza pensou de início em ser primordialmente
saxofonista. Só que, de família pobre, sem dinheiro para comprar um sax, acabou
exercitando a técnica e o dom com um trombone de válvula, instrumento mais
adequado ao curto orçamento familiar.
Em 1966, passou a tocar trombone de vara e o resto foi
história luminosa no universo da música instrumental do Brasil. História que, a
rigor, começara nos anos 1950, ano em que Raul começou a tocar na banda de
fábrica de Bangu, bairro da zona oeste carioca onde se criou o músico nascido
em Campo Grande, na mesma zona oeste do Rio.
A estreia no mundo do disco foi em 1957, em LP gravado
por Raul como integrante da banda apresentada como Turma da Gafieira. O
primeiro álbum solo, À vontade mesmo, saiu em 1965, quando Raul já
estava devotado ao samba-jazz, após passagem pelo Bossa Rio, grupo liderado
pelo pianista fluminense Sergio Mendes.
Como Mendes, Raul de Souza logo entendeu que a melhor
saída no Brasil, para músicos adeptos da bossa e do jazz, era o aeroporto. O
trombonista partiu para o exterior e, a partir de 1975, já residindo nos
Estados Unidos e tendo feito conexões com conterrâneos como o baterista e
percussionista Airto Moreira, Raul gravou os álbuns Colors (1975), Sweet Lucy (1977), Don't ask my neighboors (1978)
e Til tomorrow comes (1979) – discos cujos
títulos em inglês já denotavam o direcionamento da carreira do músico para o
mercado externo do jazz latino.
Até ser abatido pelo câncer, Raul de Souza nunca deixou
de tocar, fazer shows e gravar discos. O último título da obra fonográfica do
artista, Plenitude, foi lançado em maio deste ano de 2021
pela gravadora Pao Records, sucedendo o álbum Curitiba 58 (2019), editado há
dois anos.
Por mais que tenha corrido o mundo com a liberdade do
jazz, Raul de Souza jamais esqueceu o suingue brasileiro, matéria-prima de obra
dominada pelo samba com bossa. O samba com jazz. Samba que ele tocou com o
instrumento que inventou, o souzabone, trombone com quatro válvulas, desenvolvido
a partir do tradicional de três válvulas.
O que Raul não inventou, mas somente exercitou, foi a
musicalidade espantosa e intuitiva que o fez ser consagrado entre os grandes do
jazz fora do Brasil. E, por isso mesmo, o clichê é inevitável: Raul de Souza
foi mesmo um dos maiores trombonistas do mundo.
Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos