Em entrevista ele diz
que "pegou muita vaia" por "modernizar" o ritmo
Pinduca lança álbum com regravações de músicas dos anos 70 e 80. Foto: Ná Music/Divulgação |
Por: Pablo Pires Fernandes -
Estado de Minas
Publicado em: 30/12/2016 11:37
Atualizado em:
Você pode até nunca
ter ouvido falar de Pinduca, mas ele é um artista famoso, embora bem menos do
que merece. Para apreciadores de música brasileira, sobretudo das raízes mais
populares, sua obra é um universo vasto e digno de muito respeito. Aos 79 anos,
o ''rei do carimbó'' está lançando seu 36º álbum, No embalo do Pinduca. São
regravações de sucessos de carreira, com arranjos renovados, que não fogem do
estilo ao qual manteve total dedicação e fidelidade. Para quem não conhece o
trabalho desse mestre, é uma boa oportunidade para apreciar a genuína música
paraense.
Confira o roteiro de
shows no Divirta-se
Também é pouco
provável que você tenha ouvido falar de Igarapé-Miri. É uma cidade, hoje com 60
mil habitantes, no interior do Pará. Em 1934, quando nasceu Aurino Quirino
Gonçalves, filho de José Plácido, a vila era um lugar isolado. ''Meu pai era
professor de música. Como era no interior, ele ficou com o título de professor.
Se fosse na capital, seria chamado de maestro. Ele tocava vários instrumentos,
fazia arranjos, compunha. Lá em casa, somos todos músicos'', conta o filho do
maestro. ''É uma vocação de família.''
Aurino tinha uns 14
anos quando começou a lidar com a música regularmente. Frequentava os bailes,
observava e chegava ao palco para tocar pandeiro quando era convidado. Em uma
dessas ocasiões, ganhou sua alcunha, fato que ele narra com gosto, dizendo
antes que ''tudo é obra divina'': ''Eu, jovenzinho, fui convidado para dançar
uma quadrilha junina. A senhora me deu uns 20 chapéus de palha para eu escrever
os nomes dos dançantes, os componentes da quadrilha. Fiquei inventando os
nomes: Zé Mané, Sô Fulano, Nhô Sicrano... Era uma linguagem cabocla. De
repente, me veio à mente esse nome que lia numa revistinha de quadrinhos.
Escrevi o nome no chapéu e pus na minha cabeça. As pessoas viram aquilo e
começaram a me chamar de Pinduca. Foi um batismo''.
CARTÓRIO
Hoje, Pinduca está
devidamente registrado em cartório. Solicitou reconhecimento do nome artístico
e, diante do juiz, ouviu: ''Pinduca é esse que ouço falar aí de música?''.
''Sim, é esse mesmo'', respondeu o próprio. O magistrado assinou imediatamente.
''Foi muito fácil'', conta com notável orgulho. Mas Pinduca ainda não era o
''rei do carimbó'' quando saiu de Igarapé-Miri para outras praças. Alistou-se
no Exército e, tenente da Polícia Militar, exerceu mais o comando da banda de
música do que outra função.
Em 1957, Pinduca
constituiu uma banda, depois, chegou a comandar orquestra de 12 músicos e
quatro bailarinas. Sua estreia em long-play, em 1973, foi com Carimbó e sirimbó
do Pinduca (Beverly). De lá para cá, passeou por lambadas (possivelmente o
primeiro a designar o gênero), siriás, cumbias e comacheras. É um artista que
soube fundir as influências que ouviu e criar música brasileira.
Os ritmos do Norte,
sobretudo do Pará, constituem uma riqueza específica e imensa no folclore
popular brasileiro. A particularidade da música paraense se deve a elementos
históricos e geográficos. Um aspecto marcante e distinto da maior parte da
música brasileira é a sonoridade latina e o diálogo com o Caribe e o Norte da
América do Sul. Pinduca explica: ''Antes da TV e das emissoras de rádio, aqui só
tinha uma rádio. E a gente sintonizava emissoras latinas, porque o espaço
estava vazio por ter só uma emissora, e as pessoas compravam rádio com alcance
para sintonizar essas latinas. Todo mundo gostava e aquilo foi influenciando os
ouvidos do cantor e do compositor, nós temos muita influência''.
A lógica
antropofágica, qualidade do povo brasileiro, de deglutir várias influências e
criar algo inédito, se aplica perfeitamente ao caso. Mas o mestre, com
experiência de protagonista, define: ''O carimbó é afro-brasileiro com
influências indígena e portuguesa. Essa é a mistura inicial. O resto, nós vamos
acrescentando mais um pouquinho, o que chamamos aqui de molho''.
CUSTO ALTO
Pinduca chama de
molho a virada fundamental que ele próprio realizou. Foi o responsável por
beber na matriz folclórica e dar um passo adiante. ''Não tive influência de
ninguém, não copio ninguém, foi uma coisa mesmo minha. Essa mudança que fiz, de
modernizar o carimbó, me custou muito caro, peguei muita vaia.'' A rejeição dos
que queriam manter a pureza da tradição não abalou sua certeza. ''Eu estava
fazendo uma coisa para a juventude. Quando tive oportunidade de gravar, quis
aproveitar a juventude, era um carimbó moderno.''
Sem perder a essência
da matriz, o artista reestruturou a forma do carimbó. ''Introduzi guitarra,
contrabaixo, teclado, até com bateria eletrônica eu já gravei. Quando passou a
ter bateria, cada um fazia de um jeito, a batida mudou. Sempre gravei com duas
guitarras, uma fazendo o abano e a outra fazendo o contratempo, são coisas que
a gente vai acrescentando.''
Agora que a
tecnologia rompeu barreiras e o interesse pela produção e tradição da música do
Norte cresceu, é oportuno o lançamento de No embalo do Pinduca. O álbum, parte
do projeto Natura Musical, conta com produção de Manoel Cordeiro, importante representante da
guitarrada, outro gênero paraense. ''Eu ainda não vi um cara para tocar violão
e teclado como ele, é um craque, sabe fazer, conheço o talento dele há muitos
anos'', diz Pinduca sobre o produtor.
São 13 faixas,
versões de canções gravadas entre 1974 e 1980, sendo quatro delas medleys com
duas canções em uma só. ''Gostei, porque veio com um som diferente, mais
apurado, bonito'', declara, sobre No embalo do Pinduca. As regravações trazem
roupagem atualizada, com maior precisão nos timbres e clareza nos arranjos. A
estrutura rítmica não se altera, porém, os batuques africanos são mais raros e
pontuais em relação às canções originais, o que tira um pouco o sabor regional
e a referência de sua matriz.
A grande novidade são
as guitarras de Manoel e Felipe Cordeiro, pai e filho, que trazem dedilhados e
suingue às canções. A essência está toda lá: naipes de metais e balanço latino,
o humor e o retrato cotidiano, um toque de brega e o clima festivo que impregna
todo o álbum. Pinduca é mestre e canta como se fosse um jovem. Disco que
alimenta a alma brasileira.
SERVIÇO
No embalo do Pinduca
Gravadora: Ná Music
Preço sugerido: R$ 23
Disponível em
streaming no site da Natura Musical
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